Cultura, Desumanização e a Conquista dos Direitos Sociais

Uma Jornada Histórica

Meta Descrição: Explore o conceito de cultura sob a perspectiva antropológica, os processos de desumanização no capitalismo e a histórica conquista dos direitos sociais no Brasil e no mundo.


Introdução: O Que Nos Torna Humanos?

O que diferencia a existência humana da existência animal? O que nos torna únicos como espécie? A resposta está na cultura – um conceito fundamental para compreendermos não apenas quem somos, mas também os desafios e conquistas de nossa sociedade.

Neste artigo, vamos explorar a natureza cultural humana, os processos de desumanização no mundo contemporâneo e a luta histórica pelos direitos sociais que moldaram nossa civilização.

O Conceito de Cultura: A Essência da Humanidade

Definição Antropológica

A cultura se define, segundo a Antropologia Cultural, como o ato voluntário humano que é consciente de sua finalidade. Trata-se da ação humana consciente de que produzirá resultados.

O pensar humano se distingue do pensar de outros seres exatamente por seu grau de consciência – o homem é consciente de que suas ações têm consequências e resultados previsíveis.

A Capacidade de Projeção

O pensar humano possibilita ao homem se projetar nos futuros possíveis, orientando as ações humanas em direção ao futuro mais desejado – e, assim, evitando o menos desejado.

Essa capacidade de antecipar consequências e planejar ações é exclusivamente humana e está na base de toda produção cultural.

A Relatividade Cultural: Tempo e Espaço

Valores e Morais São Relativos

Perceba que valores, crenças morais – tudo aquilo que determina o certo e o errado, o bom e o ruim, até mesmo o justo do injusto – são relativos no tempo e no espaço.

O que é bom e ruim para mim, ou moral e imoral, pode ter sido entendido de forma completamente diferente por meus antepassados. Isso prova que valores e morais mudam de acordo com o tempo, ou seja, tais condições variam ao longo da história e não são iguais em todas as sociedades, nem em todos os lugares.

Exemplo Prático: O Caso da Vaca

Para várias sociedades ocidentais, por exemplo, é natural ingerir carne bovina, inclusive de vaca. Enquanto isso, na Índia esse animal é considerado sagrado, provando que valores e morais também estão em transformação no espaço.

O que é certo e errado para mim muda também em relação a indivíduos que vivam em outra parte do mundo, em outra cultura.

O Sistema Cultural: Não Existe Cultura Superior

Componentes da Cultura

Mas o que isso tem a ver com cultura? Tudo! Isso porque moral, valores, sentidos, significados e identidades compõem aquilo que chamamos de sistema cultural.

Como todos os itens acima são relativos no tempo e no espaço, não se pode dizer que haja uma só cultura, mas complexos de distintos sistemas culturais.

Todas as Culturas São Relativas

Se todos esses itens são relativos, portanto, todas as culturas também são relativas. Ou seja:

Não há culturas superiores ou inferiores; mas sim diferentes.

Mais do que isso, se esse pensar é inerente ao humano e a consciência é um potencial de todos os indivíduos, logo, não existe indivíduo sem cultura – todos possuem uma cultura: a sua cultura.

A Condição Existencial Humana É Cultural

O Que Nos Define Como Humanos

Podemos compreender que a condição existencial humana é cultural. Isso porque o homem:

  • Atribui sentidos às suas ações
  • Constrói símbolos
  • Acumula experiência
  • Transmite conhecimento por meio da linguagem (oralidade, iconografia e escrita)

Iconografia: Refere-se ao conjunto de imagens, tais como gravuras, fotografias, desenhos, esculturas, brasões, quadros e pinturas. Existe um ramo religioso que se refere às diversas imagens e figuras com teor sagrado.

Humanos vs. Animais

A atribuição de significados às ações coloca as experiências em movimento, podendo ser partilhadas e compor um repertório cultural coletivo.

Já a situação existencial animal está condicionada ao mundo dos fenômenos, obedecendo a uma programação biológica e instintiva, na qual a experiência se esgota em si mesma.

Desumanização: Quando Perdemos Nossa Essência

A Perda da Linguagem e da Consciência

A transmissão da experiência humana se dá por meio de uma linguagem em construção e de sistemas culturais em movimento de perene transformação.

A linguagem permite ao homem acumular experiência, enquanto sua inteligência abstrata lhe permite elaborar símbolos. Já os animais obedecem a reflexos condicionados, com aprendizado por meio de uma inteligência concreta, que lhes permite tão somente programar índices.

Sintomas de Desumanização

A linguagem, como instrumento maior de cumulação e difusão de experiências e trocas culturais, permite-nos identificar também sintomas de desumanização:

  • Enfraquecimento da possibilidade de expressão
  • Graus decrescentes de consciência sobre os resultados das ações humanas
  • Identidades sociais vazias de sentidos e significados
  • Ausência de repertórios morais

A Sociedade de Consumo e o “Ter ou Ser”

A Crítica de Erich Fromm

Trata-se de um sintoma de desumanização produzido pela sociedade de consumo de massa, aquela em que o psicólogo alemão Erich Fromm identificou, no livro Ter ou Ser (1987), como os valores do consumo determinando as identidades sociais.

O capitalismo ocidental teria falhado em criar valores morais, aprofundando processos de desumanização que levam a constituições culturais mais de aparência do que de essência.

“O que importa é o que temos, e não o que somos.” – Frase comum na sociedade de consumo

A Escola de Frankfurt e a Indústria Cultural

Indubitavelmente, viver em uma grande cidade é sinônimo, hoje, de alienação e dependência, pois cada vez mais nos distanciamos da natureza, à qual exercemos domínio como grupo, nunca como seres isolados.

Tendemos a nos distanciar das relações primordiais geradoras de cultura, para assumir repertórios culturais gerados pela indústria de consumo de massa, conforme identificaram autores da chamada Escola de Frankfurt, primordialmente Theodor Adorno, no conceito de indústria cultural, publicado em 1947 no livro Dialética do Iluminismo, escrito junto de Max Horkheimer.

A Crise Ambiental e Existencial

Devemos rever o conceito de relação do homem para com o meio ambiente, buscando integração – e não domínio. Implica em perceber que:

  • O Planeta é um sistema fechado
  • O consumo desenfreado é o combustível de um capitalismo aprofundado
  • Essa lógica é a causa da quase inviabilidade da existência humana sobre a Terra

Definindo Cultura: Uma Perspectiva Antropológica

Cultura Como Processo de Aprendizagem

Para a Antropologia, ciência que estuda o homem e suas obras, em sua área específica de estudos culturais – a Antropologia Cultural –, a cultura se define como um processo de aprendizagem.

Trata-se de um comportamento apreendido, o que se defronta com seu contrário: a personalidade, que se pensa como algo já dado.

Dimensões Material e Imaterial

A cultura constitui-se de um conjunto de:

  1. Coisas materiais – De existência concreta (ferramentas, construções, objetos)
  2. Ideias imateriais – Espirituais, de existência abstrata (valores, crenças, arte)

As Necessidades Humanas

As coisas materiais se referem aos objetos fabricados pelo homem para atender às suas necessidades de sobrevivência biológica.

Mas o homem não é portador apenas de necessidades biológicas. O ser humano é feito também de uma essência imaterial e abstrata, que não podemos tocar fisicamente, medir ou pesar: nossa alma – aquilo que preenche o corpo material, dando-nos caráter, personalidade, sentimentos e emoções.

Essa dimensão imaterial possui necessidades de outra natureza:

  • Amar e ser amado(a)
  • Ter amigos
  • Ser solidário(a)
  • Ser feliz

O Que É Cultura? Definição Formal

Cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos, os quais são característicos dos membros de uma sociedade e não o resultado de herança biológica. A cultura não é geneticamente pré-determinada; é não instintiva. É o resultado da invenção social que é transmitida e apreendida somente através da comunicação e da aprendizagem.

Hoebel & Frost

Dimensão Coletiva

A cultura não se localiza, como sistema, apenas no âmbito do indivíduo: assume uma dimensão coletiva. Isso porque os valores e morais são partilhados entre indivíduos, no âmbito de suas sociedades ou segmentos sociais.

Portanto, a cultura constitui-se em uma dimensão sempre coletiva, dado que todos os demais itens também são partilhados: valores, morais, sentidos, significados e identidades sociais.

Homem e Meio Ambiente: A Origem da Cultura

A Relação Fundamental

Como nos disse Herbert Spencer: o homem não é tal qual aquele das pinturas chinesas, solto no espaço, como se estivesse caindo no nada. O homem existe no meio geográfico e, mais do que isso, retira desse meio o necessário à sua sobrevivência.

Do Extrativismo à Agricultura

O homem, dotado de necessidades materiais, obedecendo a programações biológicas (comer, beber, dormir, procriar etc.), realiza-as essencialmente no meio ambiente.

Caça e coleta foram as atividades econômicas da maior parte do tempo de vida humana sobre a Terra – nessas atividades, o homem retirava do meio ambiente apenas aquilo que necessitava, sem interferir gravemente no qual.

O Problema Malthusiano

Thomas Malthus identificou um descompasso nessa relação. Para esse pensador dos séculos XVIII e XIX, se a população continuasse aumentando de forma crescente e geométrica, faltaria alimentos para todos.

Desse descompasso resulta um grave problema à sobrevivência humana, que depende vitalmente de alimento e água.

A Revolução Agrícola

A primeira forma encontrada pelo homem para empreender essa ação transformadora do meio foi a agricultura.

Aliando materiais extraídos da natureza – um bastão de madeira, uma lasca de pedra polida e tripas secas de animais –, o homem desenvolveu a enxada. Com esse instrumento, passou a:

  1. Arar a terra
  2. Prepará-la para o plantio de sementes
  3. Irrigar periodicamente o terreno
  4. Obter mais alimentos

Assim solucionou o problema identificado por Malthus, possibilitando a própria sobrevivência.

Trabalho e Cultura

O trabalho é a ação transformadora do meio ambiente que tem a finalidade de garantir a sobrevivência humana.

Contudo, todas essas relações acabam determinando outro aspecto da vida social: a cultura. O desenvolvimento da agricultura implica em um desenvolvimento cultural – nesse caso, da “cultura da enxada”.

Não é por acaso que o termo “cultura” foi utilizado pela primeira vez para se referir a atividades econômicas na lavoura. Por meio do trabalho, o homem altera não apenas o meio ambiente, mas a si mesmo.

Os Direitos Sociais: Uma Conquista Histórica

O Início das Lutas Sociais

A conquista dos direitos sociais é um processo histórico de lutas sociais que começou a se consolidar a partir da industrialização, com a ascensão do capitalismo industrial e suas novas relações de trabalho.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

Após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e para garantir a sobrevivência humana contra ataques nucleares, foi criado um documento chamado “Declaração Universal dos Direitos Humanos” em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Este documento trataria de:

  • Dignidade humana
  • Igualdade entre as nações
  • Respeito às diferenças sociais
  • Universalização dos direitos sociais

Direitos Sociais no Brasil

Constituição de 1934:

  • Primeira a garantir direitos sociais no país
  • Estabeleceu salário mínimo
  • Jornada de 8 horas de trabalho
  • Férias remuneradas
  • Proibição de trabalho para menores de 14 anos

Estado Novo (1930-1945): Período em que Getúlio Vargas implementou a Constituição de 1934 e consolidou muitos avanços trabalhistas.

Constituição de 1988 – “Constituição Cidadã”: Consolidou e ampliou os direitos civis, políticos e sociais no Brasil.

A expressão “Constituição Cidadã” foi utilizada pelo então senador Ulysses Guimarães no período de sua promulgação, como forma de representar um dos documentos de maior caráter democrático para o país.

Contexto Global: Da Revolução Francesa à Guerra Fria

O Iluminismo e a Revolução Francesa

O Iluminismo e a Revolução Científica impulsionaram a Revolução Francesa, que propagou os ideais de:

  • Fraternidade
  • Igualdade
  • Liberdade

Estes princípios deram continuidade a vários outros direitos conquistados posteriormente.

Revolução Industrial e Luta de Classes

Na Revolução Industrial é incorporada a luta de classes. Quanto maior o desenvolvimento social, econômico e político, maiores são as tensões entre as questões socialistas e capitalistas, intensificando a radicalização ideológica entre dois extremos:

  • Socialismo/Comunismo e Anarquismo
  • Capitalismo/Fascismo e Autoritarismo

A Guerra Fria

O escritor George Orwell, autor do livro 1984, descreve que após a Segunda Guerra e o bombardeio nuclear no Japão, um novo tipo de conflito – “A Guerra Fria” – iria surgir.

Na Guerra Fria, as tensões pioraram. A onda armamentista entre Rússia e EUA definiu a nova divisão política e econômica no mundo, dividindo os lados Ocidente e Oriente.

O historiador Eric Hobsbawm, no livro A Era dos Extremos, retrata a polarização do mundo. O Muro de Berlim foi um símbolo histórico da Guerra Fria.

A Criação da ONU

Outra característica importante foi a criação da ONU para garantir a paz entre as nações e promover políticas de caráter humanitário.

Brasil: De 1930 à Constituição Cidadã

O Período de Transformações

Após os conflitos de 1930 até o período em que se pôs fim à ditadura militar, declara-se no Brasil, em 1988, a Constituição Federal.

Esta constituição representa:

  • Um dos documentos de maior caráter democrático do país
  • Ampliação significativa dos direitos sociais
  • Consolidação dos direitos civis e políticos
  • Marco da redemocratização brasileira

Reflexão Final: Cultura, Humanização e Direitos

A jornada histórica que percorremos neste artigo nos mostra que:

  1. A cultura é o que nos define como humanos – nossa capacidade de criar significados, símbolos e transmitir conhecimento
  2. A desumanização é um risco real – especialmente em sociedades de consumo que priorizam o “ter” sobre o “ser”
  3. Os direitos sociais foram conquistados com lutas – não foram dados, mas arrancados através de movimentos sociais
  4. A relação com o meio ambiente precisa mudar – de dominação para integração

Questões Para Reflexão

  • Como podemos resistir aos processos de desumanização no mundo contemporâneo?
  • De que forma preservamos nossa essência cultural em meio à sociedade de consumo?
  • Quais direitos sociais ainda precisam ser conquistados ou preservados?
  • Como equilibrar desenvolvimento econômico e preservação ambiental?
  • Que tipo de cultura queremos construir para as próximas gerações?

A cultura não é estática – está em constante transformação. E somos nós, através de nossas ações conscientes e coletivas, que determinamos os rumos dessa transformação.


Glossário Cultural

Cultura: Sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos, característicos de uma sociedade, não determinado pela herança biológica.

Desumanização: Processo de perda da consciência, da capacidade de expressão e dos repertórios morais que caracterizam a humanidade.

Antropologia Cultural: Ramo da Antropologia que estuda as culturas humanas, seus sistemas de valores, crenças e práticas sociais.

Iconografia: Conjunto de imagens (gravuras, fotografias, desenhos, esculturas) que compõem um sistema de representação cultural.

Indústria Cultural: Conceito da Escola de Frankfurt que descreve a produção em massa de cultura para consumo, esvaziando seu conteúdo crítico.

Direitos Sociais: Conjunto de garantias relacionadas ao trabalho, educação, saúde, moradia e bem-estar que o Estado deve assegurar aos cidadãos.


📚 Referências Bibliográficas Recomendadas

Cultura e Sociedade:

  • “Ter ou Ser?” – Erich Fromm (1987)
  • “Dialética do Iluminismo” – Theodor Adorno e Max Horkheimer (1947)
  • “A Interpretação das Culturas” – Clifford Geertz
  • “Antropologia Estrutural” – Claude Lévi-Strauss

História e Direitos:

  • “A Era dos Extremos” – Eric Hobsbawm
  • “1984” – George Orwell
  • “Declaração Universal dos Direitos Humanos” – ONU (1948)

Teoria Social:

  • Hoebel & FrostAntropologia Cultural e Social
  • Herbert SpencerPrincípios de Sociologia
  • Thomas MalthusEnsaio sobre o Princípio da População

Série Completa: História, Trabalho e Sociedade

Este é o sexto artigo de nossa série sobre transformações sociais:

  1. O Trabalho Como Categoria Central
  2. O Trabalho e as Transformações Sociais
  3. Do Escravismo ao Capitalismo
  4. Capitalismo e Lutas Sociais
  5. Revolução Científica e Conhecimento
  6. Cultura e Direitos Sociais ← Você está aqui

Explore toda a série para uma compreensão integral da evolução humana, cultural e social!


Palavras-chave: cultura e sociedade, antropologia cultural, desumanização, direitos sociais, constituição cidadã, sociedade de consumo, indústria cultural, declaração universal dos direitos humanos, transformação social, meio ambiente

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Categorias: Antropologia, Direitos Humanos, Filosofia Social, História do Brasil, Cultura e Sociedade

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